domingo, 21 de dezembro de 2008

Crónica - Família a crédito


Oito de Dezembro, feriado religioso, dia da Imaculada Conceição…Ou será antes, dia dos sacos na mão? Ou dia de esgotar o cartão?






A maioria dos portugueses não sabe o porquê deste feriado, mas a verdade é que calha mesmo bem para encher os shopings e esvaziar as carteiras. Eu também aproveitei o dia.

As luzinhas já estão acesas, as árvores de natal, os lacinhos, os sininhos já fazem parte da decoração do Norte Shoping, e de cada uma das suas montras. No parque de estacionamento chega mais uma carrinha com a família toda: a mãe a rever a lista das compras, três filhos a terminar a lista dos presentes, os avós que vieram da aldeia para conhecer estas modernices de centros comerciais, e o pai a conduzir. Mais uma voltinha ao parque e mais
uma apitadela, dá vontade de dizer “ oh senhor, não vale a pena, não cabe nem mais uma bicicleta, quanto mais uma carrinha com esse tamanho todo”, mas não digo, sigo em frente.

Ao entrar vê-se uma multidão em corrupio, com um ar atarefado. Há de tudo: sacos, saquinhos e sacões, listas, listinhas e listões, carros, carrinhos e carrões cheios de compras; famílias da alta sociedade (fáceis de identificar porque só compram nas lojas que estão mais vazias), famílias que imitam as da alta sociedade (entram nas tais lojas vazias mas não compram nada), famílias normais (que compram onde todos compram). Há também outro tipo de famílias, as pobres, mas essas não compram nada, quando entram no shoping ficam por ver as montras. À parte desta divisão clássica surge um novo tipo de família, entre a família normal e a da alta sociedade, é a família a crédito. Decoração de fazer inveja à Cinha Jardim ou ao Castelo Branco, prendas para o menino e para a menina, despensa cheia com as mais finas iguarias, uns dias na neve, um reveillon na Madeira, em Paris ou New York: pequenas regalias à distância de um crédito. Como se identificam? Isso é fácil! Entram em todas as lojas, as cheias e as vazias, olham para os preços mas compram na mesma, sentem remorsos (reminiscências dos tempos sem crédito), mas eles terminam ao chegar à próxima caixa de multibanco e tocar em mais notas acabadas de vir do crédito.

“Papá quero que o Pai Natal me dê um telemóvel de 3ª geração, eu portei-me bem, só tive duas negativas!”, diz um miúdo. “ Sim filho, o pai dá, se não tivesses negativas tinhas um computador novo, assim tens de te contentar com um telemóvel, sabes que o Pai Natal é justo.”, responde o pai. Intrigada com tão terna conversa olho para trás, e vejo que é a família da carrinha grande (pelos vistos tinham arranjado lugar para a “caravana”). Já levam três sacões enormes da loja de brinquedos, bem cheiinhos (parece que só o miúdo mais velho ainda não aviou todo o seu listão). A sair pelo carrão das compras, vêem-se ainda muitas outras caixas, sacas e embalagens. Bem contadas, mais de quarenta prendas, e a lista na mão da senhora parece não terminar. Os avós, coitados, estão fascinados com tamanho poder de compra dos seus descendentes. Não sabem, porém, que por entre talões e recibos estão, bem escondidos, os extractos das contas a zero, e as papeladas dos créditos.

Está encontrada mais uma família a crédito! Nestes dias nada de inédito! Mas não esgota aqui. Enquanto o banco dá crédito o Silva pede-o: um crédito no Natal; outro no Carnaval; mais um na Páscoa para pagar os outros dois; e as dívidas estariam saldadas, não fossem as férias no Verão, e mais o carrão, as obras em casa e o plasma novo. Assim funciona este povo.
Saio do shoping sem comprar nada. Enquanto vou para casa, penso que há portugueses que não sabem que hoje é dia da Imaculada Conceição. E o que se comemora a 25 de Dezembro, saberão?

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