terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Para quê crescer?

Falta-me o 43 e o 81, tenho o 108, o 10 e o 62 para trocar. - Cola melhor, olha que assim vais estragar esse cromo – dizias-me tu, sempre preocupado com a integridade dos nossos amigos de papel. Que canseira, conseguir completar a colecção o mais depressa possível!
Saímos daquele portão de ferro, a correr, e atravessámos a estrada de forma inconsequente (os nove anos que tínhamos ainda não faziam pesar na consciência cada passo que dávamos). – Oh Lurdinhas, quero uma saqueta de cromos! – Disparo mal entro na loja, enquanto dou saltinhos apressados para chegar à altura do balcão, e ser vista. Que ansiedade abrir aquela saquinha. Parecia que a minha vida dependia daquilo. Só se lá estivessem o 43 e o 81 eu ia ser a primeira a completar a colecção, e isso era bem importante. Mas não, outra vez repetidos! E, não eram uns cromos quaisquer, eram aqueles três que te faltavam. Não tos dei. Até podia dar, mas não queria que completasses a colecção antes de mim…tinha de ser a primeira!
O dia seguinte começou como todos os outros: levantei-me meia ensonada e vesti a roupa que tinha escolhido na véspera (sim, que com nove anos já sabia bem o que queria vestir), comi o meu pão com tulli-creme e bebi o leite com chocolate, enquanto a mãe acabava de fazer a minha trança no cabelo. Saímos. Mas desta vez não estavas à espera no inicio da minha rua, para vires connosco para a escola. Pensei que tinhas adormecido. Andei no baloiço sem ninguém a empurrar, joguei sozinha às escondidas, corri sozinha por entre as árvores do recreio, e tu não vieste mais… Não tiveste coragem de me dizer que ias mudar de escola, mas eu tive coragem de te negar aqueles três pedaços de papel autocolante. Continuei a fazer colecção de cromos. Nunca mais soube nada de ti.
Gostava de ter outra vez nove anos. Mudava tudo. A verdade é que ainda tenho muitos cromos: colecções de notas na escola; colecções de elogios no trabalho; colecções de roupas caras; colecções de amigos no hi5, no facebook; colecções de virtudes que não tenho e de sonhos que ficaram por cumprir. Mas para quê? Para quê viver para encher a caderneta? Para quê querer mostrar pedaços de papel como troféus? Não quero ser só mais uma caderneta feita para mostrar.
Hoje já não é tempo para mudar tudo. Atravesso a rua só quando o semáforo está verde e mesmo assim, olho para os dois lados (mesmo que a rua seja de um só sentido), entro devagar na loja, e curvo-me um pouco para falar com a Dona Lurdes. Não sei bem o que quero, tenho de pensar melhor, que nada é feito em vão. Hoje, os vinte anos que tenho, fazem pesar na consciência cada passo que dou. É tempo para ser responsável. Já se foi a espontaneidade. Já tenho muitas cadernetas cheias. Não posso simplesmente correr por entre as árvores do recreio. Não posso simplesmente deitar fora os livrinhos cheios de autocolantes.
Se tivesse nove anos era tão mais fácil. Que canseira, conseguir esvaziar as colecções que completei, o mais depressa possível!

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